sexta-feira, 5 de junho de 2015

A precursora do indigenismo brasileiro: a Comissão Rondon.


Após a guerra do Paraguai (1865-1870), o governo imperial brasileiro adotou uma série de medidas para a defesa e a ocupação da vasta região amazônica, principalmente a fronteira oeste do país, considerada a mais vulnerável. Para controlar o território, o governo iniciou o desbravamento da região, instalando postos militares e criando vilas e povoados, de forma a incentivar as atividades econômicas locais. Isto se deu a partir da instalação de linhas telegráficas que ligariam os centros urbanos às regiões remotas de Mato Grosso. Os trabalhos, iniciados no final do regime imperial, tiveram seqüência com a República.
O Alferes-aluno Cândido Rondon, atuando na “Comissão Construtora da Linha Telegráfica de Cuiabá ao Araguaia” a partir de 1890, aprendeu com o Major Gomes Carneiro a orientar os trabalhadores e a evitar confrontos com índios. Rondon acabou responsável pelos trabalhos de conservação dessa linha telegráfica até o final daquele século. Esses trabalhos envolveram a cooperação de índios Bororo e diversos levantamentos geográficos (Gagliardi, 1989; Maciel, 1998; Bigio, 2003).
Em 1900 Rondon foi nomeado para chefiar os trabalhos da Comissão Construtora de Linhas Telegráficas de Mato Grosso, cujo objetivo era estender o telégrafo pela fronteira de Mato Grosso, abrindo estradas, favorecendo a colonização e ampliando o desenvolvimento agropecuário local (Rondon, 1949). No relatório dessa Comissão, Rondon descreveu em várias passagens a sujeição e mesmo o trabalho escravo de índios nas fazendas da região (idem). Naquele momento, Rondon acreditava
que índios ainda não contatados poderiam se tornar bons brasileiros, mão-de-obra empregada tanto na defesa das fronteiras como no econômico de Mato Grosso. Para os positivistas da Comissão, o telégrafo possibilitava a “construção da nação”, contribuía para dar legitimidade ao projeto republicano (Fenelon, 1998). Os espaços da fronteira tornavam-se territórios nacionais, os índios e os sertanejos dispersos seriam brasileiros. Como missão “civilizadora” dirigida por engenheiros-militares, os rituais cívicos da
108 Comissão Telegráfica comunicavam aos indígenas as novas tradições e as rotinas a serem adotadas. Com os trabalhos das linhas telegráficas, prosseguiram as explorações geográficas, ampliando o conhecimento científico e cartográfico de toda aquela fronteira (Miss ão Rondon, 2003).
Os mesmos trabalhos realizados em Mato Grosso deveriam, a partir de 1907, ser estendidos ao estado do Amazonas e território do Acre, às regiões dos rios Juruá e Alto Purus (Gagliardi, 1989). O desconhecimento geográfico das fronteiras, a importância econômica da borracha, a necessidade de controlar a região após a anexação do Acre e de impulsionar o povoamento desses sertões levaram o presidente Afonso Pena a convidar Rondon para chefiar a nova Comissão de Linhas Telegráficas
e Estratégicas de Mato Grosso ao Amazonas. Os trabalhos da Comissão foram divididos em quatro seções, referentes à construção da linha-tronco e seus ramais, além da medição de terras e a realização de reconhecimentos e estudos da região traçada no projeto. Rondon dirigiu estes últimos trabalhos, ampliados a partir de 1908 com a criação da seção de História Natural. Naturalistas do Museu Nacional que deles participaram – Alípio Miranda Ribeiro, Edgard Roquette-Pinto e outros – recolheram um imenso acervo para a instituição, entre artefatos indígenas, plantas, animais e minerais (Roquette-Pinto, 1938). Rondon contou com a participação de índios Paresi e Cabixi para a instalação do telégrafo e a inauguração de estações telegráficas. Mesmo enfrentando o impaludismo, a varíola e a insalubridade das áreas exploradas, conseguiu instalar 2.268km de linhas telegráficas, construir estradas de rodagem, cartografar uma imensa região e seus rios. Os trabalhos da Comissão deram origem a mais de uma centena de publicações científicas, tornando famosa a técnica de pacificação adotada por Rondon, evitando o confronto com índios em seus territórios Gagliardi, 1989; Bigio, 2003). Durante os trabalhos da Comissão, em 1909, Rondon tomou posição no debate público que ocorria no Rio de Janeiro e em São Paulo a respeito do futuro dos índios e da colonização do país. Era o contexto de gestação do Serviço de Proteção aos Índios e Localização de Trabalhadores Nacionais (Souza Lima, 1987).


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